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Confinada à colina genética, a comunidade de Lamego resistiu aos avanços e recuos dos seus conquistadores até ao século XI. A expansão da sua urbanização estruturou-se já em tempo de paz ao redor de dois templos: o de São Sebastião, a uma cota inferior à da acrópole, e o de Santa Maria de Almacave, quase às portas do burgo amuralhado. Com a definição paroquial em torno dos principais templos urbanos e a criação régia do couto episcopal a cidade cindiu-se em dois territórios: o primeiro entregue ao governo municipalista e o segundo sujeito ao poder episcopal, onde os prelados nunca deixaram de centrar no Rossio e na catedral a sua atenção. Mas o domínio temporal dos antístites, bem presente nas intervenções renascentistas de D. Fernando Meneses Coutinho a D. António Teles de Meneses - que claramente delinearam projectos públicos de embelezamento do seu couto-, alargou-se ao burgo e aos seus arredores, impondo na morfologia urbana e na paisagem envolvente, um domínio indirecto, fosse pelo apadrinhamento de certas obras (inclusive a instalação de casas monásticas), fosse pela reabilitação de lugares de cultos obscurecidos. Estes edifícios ocuparam sítios chave da cidade e criaram elementos e pontos estruturantes, tais como novas vias ou espaços alargados (praças ou adros) que determinaram novos trajectos na morfologia urbana e/ou periférica – por motivos religiosos ou económicos (ex. romagens e feiras). A sua construção pode ser vista do ponto de vista estratégico: instituição de novos lugares de atracção cultual, extensão do poder eclesiástico (nomeadamente episcopal) e até a monumentalização do urbanismo – dentro de um espírito ou mesmo consciência da importância da intervenção mecenática (dos pontos de vista educativo e mesmo político) no espaço público. Este aspecto reflecte-se não apenas no couto com as benfeitorias de certos prelados, mas nas obras executadas ao longo dos primeiros episcopados do século XVI e nos do século XVIII, em áreas periféricas, até onde era possível aumentar os limites urbanos ou o domínio (ainda que informal) da Mitra. São disto exemplos a construção do mosteiro das Chagas que aproveitou um dos lados do terreiro do Tabolado (associado desde a Idade Média à vida comercial de Lamego) e o convento de Santa Cruz implantado num pequeno plano sobre o couto (que se tornará lugar de mercado e negócio – ambos os projectos acalentados por prelados lamecenses. Actualmente é impossível dissociar as principais obras quinhentistas ou setecentistas, como as ermidas do Espírito Santo ou da Virgem do Remédios, da morfologia urbana contemporânea. Ainda que, em alguns casos, não tenha sido respeitada a importância visual e a percepção do espaço, que os homens dos séculos XVI e XVIII reconheceram ou atribuíram àqueles edifícios e à sua envolvência – eles constituem um dos principais motivos de engrandecimento e expansão que a cidade de Lamego conheceu ao longo da época moderna, em parte graças à ação dos seus prelados.
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