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O navio original chamava-se Lahneck e pertencia à companhia alemã "Deutsche Dampfschiffarts GeselIschaft Hansa". Tinha a capacidade para 2000 toneladas de carga e para navegar a 10 a 11 nós, media 84.79 m de comprimento e dispunha de um potente motor de 2000 hp. Foi um dos navios alemães requisitados pelo Governo em 23 de Fevereiro, em consequência do que a Alemanha nos declarou guerra a 9 de Março. Dias depois, era rebaptizado. Foi-lhe posto o nome dum daqueles homens que revolucionaram a história e que só sabemos que era algarvio e se chamava Gil Eanes. Mas foi ele que, numa simples barca, ousou desafiar os medos medievais e passar além do Bojador. E, do lugar aonde "passou além da dor" como diz o Poeta, apareceu ao Infante, não com uma espada sangrando nem com um grupo de cativos, mas com um ramo de flores, que os portugueses dedicaram à Padroeira de África e se ficaram chamando "rosas de Santa Maria". Foi "Gil Eannes" que este alemão aportuguesado se passou agora a chamar.
Serviu inicialmente para transporte de tropas para a Guerra que o fez português; foi depois fretado para os Transportes Marítimos, tendo servido na carreira dos Açores.
Decidiram mais tarde adaptá-lo a navio de assistência à pesca nos bancos da Terra Nova. Na Holanda recebeu as modificações necessárias, e a 16 de Maio de 1927 partia, enfim, para a Terra Nova, donde regressava a Lisboa em 14 de Novembro.
Estávamos, porém, já sob novo regime: o da Revolução do 28 de Maio, donde sairia o Estado Novo. Ora, não obstante a situação de infra-humanidade em que viviam e trabalhavam os nossos pescadores nos bancos da Terra Nova, as prioridades eram outras. E o Gil Eannes foi empregue no transporte de presos. Só em 1937 voltava a partir para a Terra Nova.
Mas a situação dos nossos pescadores era aflitiva. As doenças e mortes pairavam como mal permanente. Os portugueses eram até, por isso, alvo das maiores atenções por parte da população de St John's e dos pescadores esquimós que nutriam pelos nossos compatriotas uma grande solidariedade, em grande parte por compaixão. Ao mesmo tempo, o regime apoiava os armadores no sentido de incrementar a pesca do bacalhau nos bancos da Terra Nova e já também da Gronelândia, a fim de nos tomar pelo menos auto-suficientes num produto de intensa procura no espectro do consumo nacional. Foi então que o Gil Eannes, integrado na Marinha de Guerra, passou a dar apoio regular aos nossos pescadores do bacalhau, até 1941. Foi, depois disso, desarmado, em 1942, data em que foi entregue à Sociedade Nacional de Armadores do Bacalhau, a cujo serviço efectuou 27 viagens, 14 das quais de comércio e assistência. Quando a prestava, fornecia à nossa frota bacalhoeira água, óleo, carvão, isco, sal e alimentos. Possuía a bordo um serviço médico, transportava correio e expedia e recebia telegramas.
Entretanto, com a viragem do meio século, Portugal beneficiava da crise das economias europeias do após-guerra e, muito embora não tenha entrado na II Guerra Mundial, também beneficiava dos subsídios para reconstrução nacional e entrava na O.C.D.E. Ora, o regime, pela via corporativa, desenvolvia uma política social de assistência voltada para os problemas dos trabalhadores e orientando-se pela doutrina social da Igreja que dizia professar.
E foi também então que começou a segunda parte da história do nosso navio (o actual navio Gil Eanes que aquui vemos) Era agora um robusto navio hospital de 2274 tdw, 98.450 m de comprimento, 5.490 m de calado, velocidade de 12.5 nós e capacidade para 72 tripulantes, 6 passageiros e 74 doentes. E, o que era uma inovação na época, dispunha de câmaras frigoríficas para fornecimento de alimentos frescos. Com efeito, todos sabemos, e Os Lusíadas disso fazem um eco dramático, que a sua falta é causa directa do escorbuto, doença de que sofria a "frota branca" dos nossos lugres veleiros da Terra Nova. Uma das missões do velho Gil tinha sido, por isso, a de adquirir animais em terra para abate destinado ao consumo alimentar. Com tantos bois, porcos e galinhas a bordo, chamava-lhe o humor dos nossos pescadores a "Arca de Noé". Agora, com os meios de frio de que este novo navio era dotado, podia haver carne fresca diariamente e sem dependência directa de terra. Foi a obra nº 15 dos estaleiros vianenses, entregue em 1955 ao Grémio dos Armadores de Navios da Pesca do Bacalhau.
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